O primeiro Homem - trata-se de um romance no melhor estilo autobiográfico do genial Albert Camus. Sua leitura, a princípio, me pareceu, de início, uma coisa estranha, uma espécie de rascunho, cheio de anotações deixadas pelo autor, tipo "lembretes" para a revisão final, que nunca chegou a ser feita: Camus faleceu, num acidente de carro, antes de concluir este livro e nós nunca saberemos se ele o concluiria ou se o deixaria de lado, como já fez com "A morte feliz".Apesar de inconcluso, é um livro que se lê de um só fôlego, de tanto que prende nossa atenção.Foi com enorme interesse que percorri a vida de Jacques Cornery(o próprio Camus), desde sua infância, em um bairro pobre de Argel, órfão de pai, criado por uma família severa e ignorante: sua mãe analfabeta e alheia ao mundo, em decorrência de um processo de surdez; sua avó severa, exigente, pouco afetiva;seu tio, um toneleiro, também deficiente auditivo, que conversava por mímicas, e que levava o menino às suas pescarias, ao seu trabalho, enfim, que lhe proporcionou agradáveis lembranças da infância., Um professor desempenhou papel crucial na vida de Jacques, ocupando, em determinada época, o lugar do pai.
Todo o livro é a busca da memória deste pai, morto em idade inferior à do personagem central,bem como a busca de "uma civilização, cujo frágil equilíbrio estava sendo quebrado quando Camus morreu, em plena guerra de independência da Argélia".
Interessante notar a capacidade do menino de se "auto-formar", se "auto-educar", a partir dos exemplos da mãe e avó, de honestidade e trabalho.
Determinados temas e personagens que surgem no livro nos reportam à outras obras do autor, tudo nos levando a refletir sobre a condição humana, formada pelo absurdo, desespero e indiferença.
O primeiro homem é, em suma, a gênese do autor e de sua ética da revolta. É o sol da Argélia lhe ensinando que a "história não é tudo", servindo, como diz o prefácio do livro, de "contraveneno para os rancores despertados por sua própria história".
Apesar de autobiográfico, Camus deixa clara a impossibilidade da memória de recompor todos os fatos:
"A memória dos pobres já é por natureza menos alimentada que a dos ricos, tem menos pontos de referência no espaço,considerando que eles raramente saem do lugar onde vivem, e tem também menos pontos de referência no tempo de uma vida uniforme e sem cor. Só os ricos podem reencontrar o tempo perdido. Para os pobres, o tempo marca apenas os vagos vestígios do caminho da morte".