Os povos do mundo todo tem suas lendas, fábulas e contos que encantam a todos. Através deles, pode-se conhecer um pouco da história e dos costumes de um povo. A lenda deste post veio da tradição assíria, ou seja, de um reino que existia ao redor do riio Tigre, ao norte da Mesopotâmia (atual Iraque) e que dominou ao longo da história os impérios que existiam na região. Existem menções à Assíria datando de 2 mil anos a.C.
Os descendentes dos assírios ainda habitam a região: são a maioria cristã do Iraque. Sua capital original foi a cidade de Assur, atual Qal'at Sherqat, no Iraque, cidade tombada como patrimônio histórico do mundo.
Assur
Posteriormente, sua capital mudou-se para Nínive:
As imagens acima são as ruínas do que restou de Nínive que, pelas representações encontradas, deve ter sido belíssima:
Considerações feitas, passemos à lenda:
"Ahikar, o assírio, era filho de Daniel e sobrinho de Tobias(1).Viveu no século VII a.C, na cidade de Nínive, onde desempenhava o cargo de intendente e escriba(2). na corte do rei Senaqueribe.
Em sua juventude, os adivinhos do reino lhe tinham profetizado que não teria descendência. Desde então, Ahikar se casara sessenta vezes, construíra sessenta palácios espaçosos e admiráveis para as suas esposas, acumulara riquezas e honras...mas estava para fazer sessenta anos e a predição se realizara. Ahikar desejava um filho e consultou os magos: ofereceu sacrifícios aos deuses de Nínive e, por fim, desesperado, voltou à fé que fora, em outros tempos, a de seu pai Daniel e de Tobias. Acreditou e orou e, uma noite, ouviu a voz de Iavé(3) que lhe dizia:
_ Por teres confiado os ídolos, morrerás sem filhos e sem filhas. Entretanto, aqui tens Nadan, o filho de tua irmã: adota-o, transmite-lhe a tua sabedoria e será ele o teu herdeiro.
Assim fez Ahikar. Adotou Nadan, o filho de sua irmã: entregou-o a oito amas que o criaram, ungiu-o com óleos e emel perfumados, construiu para ele um leito macio que cobriu de tapetes... e Nadan foi crescendo como um cedro jovem. Passados alguns anos, Akhikar ensinou-lhe a arte do escriba e transmitiu-lhe toda a sua sabedoria numa série de apólogos(4):
"Meu filho", dizia ele, "o homem que não tem mulher, nem filhos, nem irmãos, é menosprezado pelos seus inimigos. Como árvores à beira de uma estrada, todos os que passam lhe dão uma patada e comem seus frutos, e o animal selvagem dele se acerca e faz com que caiam suas folhas". "Meu filho, não sejas desses a quem seus senhor diz: 'Anda para a frente', e sim daqueles a quem diz:'Aproxima-te de mim e fica a meu lado'. "Não te gabes em tuas palavras, não sejas como a amendoeira que floresce e verdeja antes das outras árvores, mas é a última a frutificar". "Não levantes a voz nem escandalizes; se bastasse uma voz potente para construir uma casa, um burro construiria duas por dia".
"Meu filho, comi losna e mirra, mas nada achei tão amargo como a indigência. Carreguei chumbo e pedras grandes, mas não encontrei nada que pesasse tanto como o opróbrio e a calúnia"...
Assim ia Ahikar educando pacientemente o espírito e o coração do sobrinho. Um dia, quando já Senaqueribe não era rei de Nínive, Ahikar foi chamado ao palácio. O novo rei, Sarhedom, queria falar ao seu escriba: fora sempre ele seu único e fiel confidente e seu mais fiel chanceler, mas os anos iam passando e Sarhedom compreendeu que Ahikar necessitava de repouso.
Para isso o havia chamado: queria saber se na Assíria haveria um homem capaz de substitui-lo. Então o velho escriba falou no filho de sua irmã e, voltando a casa, procurou Nadan e levou-o ao palácio. Sarhedom tomou-o pela mão e jurou mantê-lo a seu lado e dar-lhe honrarias, em lembrança e gratidão a Ahikar.
Passou-se algum tempo. Quando Nadan viu consolidada sua posição na corte, apropriou-se da casa e dos bens de seu pai, maltratou seus servidores, vendeu ou matou seus animais e as reses de seus rebanhos a tiro, e converteu a casa inteira num inferno, até que por fim Ahikar se viu obrigado a queixar-se ao rei. Nadan fingiu submeter-se, mas quando soube que Ahikar havia adotado seu segundo irmão, Nabuzardan, teve medo de que ele quisesse dividir a fortuna entre os dois e tramou uma intriga. Escreveu primeiro duas cartas, imitando a letra do pai. Numa, Ahikar oferecia ao rei da Pérsia e do Elam entregar-lhe o reino da Assíria sem combate. Na outra, dirigida ao rei do Egito, lia-se:
"Quando esta carta te chegar às mãos, vem ao meu encontro na planície do Sul no dia 25 do mês de Ab(5).Quando me vires acercar-me, dispões as tropas em forma de batalha, porque comigo irão dois mensageiros do Egito, a quem quero demonstrar quais são as minhas forças".
Enquanto Ahikar se preparava para obedecer aquela ordem, seu filho fingia encontrar no chão do palácio as outras duas que escrevera primeiro e leu-as ao rei. Sarhedom não podia acreditar no que estava ouvindo, mas deixou-se convencer por Nadan e acorreu à planície das Águias a fim de comprovar com seus próprios olhos o fato. E ali estava Ahikar, cumprindo suas ordens e, ao ver acercar-se o rei, mandou formar as tropas. Sarhedom, desesperado, deixou-se convencer por Nadan e voltou ao palácio.
O resto foi fácil, Nadan cruzou a planície, agradeceu a seu pai, em nome do rei, a forma pela qual cumprira suas ordens e pediu-lhe que dissolvesse seu exército. Depois, mandou prendê-lo e o arrastou à presença do rei.
Quando, por fim, compreendeu que tinha sido vítima de uma intriga, Ahikar tombou ao chão, prosternou-se ante o rei e pediu, como última graça, que se cumprisse a sentença à porta de sua própria casa e que se permitisse que sua esposa, Esfagni, desse sepultura a seu corpo. As duas coisas lhe foram concedidas, e, sem perda de tempo, Ahikar indicou a Esfagni, ponto por ponto, o que desejava que ela fizesse: seria preciso obter que Nabusemak, o carrasco, e os que o acompanhavam, entrassem na casa e encontrassem nela comida e bebida em abundância. Ademais, queria que ali estivessem mil donzelas, vestidas de linho, açafrão e roxo, para que chorassem sua morte.
Chegou o dia marcado. Esfagni saiu e recebeu a comitiva, precedida das suas mil donzelas.
Ahikar entrou com eles em sua própria casa e esperou. Pouco a pouco, os homens foram caindo ao chão, embriagados, e, então, Ahikar aproximou-se de Nabusemak, o carrasco. Fez com que ele se recordasse como havia nascido a antiga amizade que havia entre ambos: um dia, havia muitos anos, o rei havia condenado Nabusemak à morte e Ahikar, que o sabia inocente, escondera-o para salvar-lhe a vida. Quando, passado algum tempo, o rei começou a lamentar a condenação que fizera, Ahikar lhe confessou a verdade e a alegria do rei foi tão grande que, esquecendo sua desobediência, cobriu de honrarias e jóias os dois amigos.
Aquelas palavras fizeram Nabusemak pensar. Por fim, decidiu-se: mandou trazer outro condenado, fez com que vestisse as roupas do velho escriba e cumpriu-se a sentença. Na Assíria e em Nínive correu a notícia de que Ahikar, o escriba, tinha morrido. Esfagni e Nabusemak o esconderam. Construíram uma caverna pequena, subterrânea, de dois côvados(6) e meio de largura por três de cumprimento e três de altura. Deixaram-lhe comida e água para vários dias e voltaram ao palácio, a fim de se apresentarem ao rei.
Vendo-os, Sarhedom arrependeu-se da ordem que havia dado, quando confiou na palavra de um rapaz, e ordenou a Nadan que preparasse os funerais de seu pai. Nadan, porém, voltou a fazer das suas: instalou-se na casa, entregou-se a uma vida de prazeres, sem respeitar a boa Esfagni, que o criara como a um filho.
Lá de sua caverna subterrânea Ahikar ouvia os lamentos de sua gente, mas não perdia a esperança e quando Nabusemak descia para levar-lhe pão e água, pediu-lhe que oferecesse sacrifícios em seu nome e rezasse por ele.
Quando o rei do Egito soube que Ahikar tinha morrido, ficou muito contente e escreveu uma carta ao rei Sarhedom, na qual dizia que queria construir uma fortaleza entre o céu e a terra e pedia ao rei de Nínive um homem capaz de trsolver aquele e outros problemas. Se o enviado de Sarhedom correspondesse satisfatoriamente às exigências, o Egito entregaria a Nínive a importância do tributo de três anos. Em caso contrário, seria Sarhedom quem deveria entregar ao mensageiro do faraó o equivalente, isto é, o imposto de três anos do reino da Assíria e de Nínive.
Quando Saherdom leu a carta mandou chamar todos os sábios, adivinhos e cientistas de seu reino. Em outros tempos, tais questões tinham sido sempre resolvidas por Ahikar, e a opinião de todos, portanto, foi que dessa vez se consultasse Nadan, o novo escriba, que havia herdado a sabedoria paterna. Nadan, porém, replicou, aos gritos, que nem os deuses poderiam fazer o que naquela carta se pedia, e então o rei, chorando amargamente, abandonou a sala do trono. Nabusemak percebeu que havia chegado o momento; aproximou-se do soberano e confessou-lhe toda a verdade. Sarhedom, louco de alegria, ordenou que em seu próprio carro fosse buscar Ahikar.
O velho escriba mal podia manter-se de pé: estava todo coberto de pó, de lama, a barba alcançava-lhe a altura do peito e o cabelo caía-lhe pelos ombros, em emaranhado espesso. Ao vê-lo chegar, o rei o abraçou e choraram juntos durante muito tempo. Logo Sarhedom pediu-lhe que voltasse a sua casa e repousasse durante quarenta dias, procurando recuperar suas froças. Assim foi feito. Passados quarenta dias, Ahikar voltou ao palácio e o rei leu a carta, assegurando o velho escriba que poderia atender satisfatoriamente ao faraó. Sarhedom não cabia em si de contente e encheu de presentes e jóias seu carrasco Nabusemaq.
O velho escriba tornou a recorrer à sua esposa, Esfagni. Desta vez pediu-lhe que mandasse caçar duas águias jovens, que comprasse duas gaiolas não muito grandes e que mandasse tecer uma corda de mil côvados de comprimento e um dedo de grossura. Além disso, pediu-lhe que arranjasse seis amas de leite para Nabuhail e Tebsalão, duas crianças que eram filhas de servidores seus. Os meninos e as águias deviam crescer juntos e tomar, como único alimento, dois cordeirinhos por dia.
Esfagni fez tudo quanto seu marido mandava e, passados exatamente vinte dias, Ahikar, com uma pequena escolta, se pôs a caminho. No Egito, a expectativa era grande. No dia de sua chegada, Ahikar se apresentou ao faraó e este lhe perguntou seu nome, ficando ofendido com a resposta, que foi a seguinte:
- Sou Abikam, uma das formigas do rei de N´nive. O faraó ficou encolerizado. Como se atrevia Sarhedom a mandar uma de suas formigas para dar resposta à sua carta? Entretanto, conteve-se e ordenou a Ahikar que voltasse na manhã seguinte.
Quando Ahikar chegou ao palácio encontrou o faraó vestido de algas e púrpura, rodeado de toda a sua corte, que se vestia de cor vermelha intensa.
- A quem nos podes comparar?- perguntou o rei.
E Ahikar respondeu:
- Tu, senhor, fazes lembrar o deus Bel (7), e teus nobres, os seus sacerdotes.
A resposta satisfez o faraó, que lhe pediu voltasse na manhã seguinte.
Ao chegar, Ahikar viu o faraó vestido de branco, sentado em seu trono de ouro e rodeado pela corte,também vestida de branco.
O rei fez a mesma pergunta do dia anterior.
- Tu, senhor, recordas o Sol e tua corte os seus raios - foi a resposta do escriba.
Passou a noite. Na manhã seguinte, quando Ahikar chegou ao palácio, viu as portas do templo abertas, cobertas com panos pretos e escarlates, e, no meio, o rei, vestido de vermelho vivo, rodeado pela sua corte vestida de preto.
- Tu, senhor, pareces a lua e teus homens, as estrelas, disse Ahikar.
No quarto dia as portas estavam cobertas com panos de várias cores e a corte inteira ornada com trajos multicolores, enquanto o próprio rei vestia uma túnica estampada.
- Pareces Nisan -disse Ahikar - e teus nobres seriam as flores.
Nisan era o primeiro dia do ano babilônico, o que coincidia com o nascimento da primavera, e a resposta satisfez o faraó.
- Uma vez me comparaste a Bel - disse ele, então. - Outra vez ao Sol, à Lua e à Primavera. Dize-me, agora, a que compararias teu senhor Sarhedom?
E Ahikar respondeu:
- Deus me livre de falar de meu senhor Sarhedom estando em tua presença e conservando-te tu sentado. Sarhedom se assemelha a Deus do céu, e os nobres de sua corte aos relâmpagos. Quando quer, torna duro o orvalho e a chuva, até convertê-la em granizo. Eleva colunas de fumaça até os céus de sua realeza: troveja, ruge e impede o Sol de levantar-se, e seus raios de brilhar. Impede que Bel e seus sacerdotes andem pelas praças públicas, impede a lua de sair e as estrelas de brilhar, e, se quiser, ordena ao vento do norte que forme granizo e destrua Nisan e suas flores.
Ouvindo-o, o rei do Egito franziu as sobrancelhas e perguntou novamente ao escriba como se chamava. Então Ahikar se deu a conhecer ante toda a corte, contando como havia escapado da morte. O faraó levantou-se e ordenou que na manhã seguinte lhe dissesse uma palavra ou uma frase que nenhum de seus súditos já tivesse ouvido pronunciar em toda a região do Egito.
Ahikar retirou-se e naquela noite redigiu uma carta: era dirigida ao rei de Nínive e assinada pelo faraó. Nela se dizia que o tesouro do Egito estava empobrecido e o faraó pediu ao rei Sarhedom novecentos talentos(8), com a promessa formal de devolvê-los brevemente.
Quando, no dia seguinte, Ahikar leu aquela carta diante do rei, todos os cortesãos asseguraram que não era a primeira vez que a ouviam.
- Então, disse Ahikar, isso é sinal de que o Egito deve novecentos talentos ao rei Sarhedom.
Os cortesãos ficaram estupefatos. Mas o rei não se deixou abater e pediu a Ahikar que lhe construísse um palácio entre o céu e a terra, a mil côvados de altura. Ahikar mandou trazer as águias de Esfagni, prendeu-as pelas patas com a corda de linho, fez subir sobre elas as crianças, e, quando estavam no ar, Nabuhail e Tebsalão começaram a reclamar, aos gritos, dos arquitetos do Egito, a argamassa e as pedras de que precisavam para construir.
Os anos fizeram com que Ahikar perdesse a razão - pensou o faraó. - Quem poderia subir com a argamassa até ali?
Ahikar, porém, percebeu o que o faraó estava pensando e disse-lhe que ele não merecia sequer pronuncia o nome de Sarhedom: se o rei de Nínive quisesse construir dois palácios por dia, poderia fazê-lo.
No dia seguinte o faraó propôs-lhe um novo enigma.Assegurava-lhe que quando o cavalo do rei de Nínive relinchava na Assíria, as éguas tinham potrinhos nas cavalariças egípcias. Como podia explicar-lhe aquilo?
Ahikar, antes de responder, mandou que lhe trouxessem um gato, animal sagrado no Egito.
Quando o teve nas mãos bateu-lhe violentamente, sob o pretexto de que matara seu galo predileto lá em Nínive, e era aquele galo que despertava o escriba quando o rei precisava dele. Mas, naquela noite, o gato tinha ido a Nínive, matara o galo e voltara na mesma noite para o Egito.
O faraó corrigiu-o. Os anos, sem dúvida, haviam debilitado sua memória. Como poderia o gato percorrer trezentas parasangas (9) durante uma única noite?
Então o assírio respondeu que um gato muito bem podia andar numa noite a distância a que se deixava ouvir o relincho de um cavalo.
Mas o rei não se deu por vencido. Pediu-lhe que lhe esclarecesse o sentido de outro enigma: que podia representar uma coluna composta de 8.763 tijolos, sobre os quais havia plantados doze cedros, que por sua vez sustentavam trinta rodas sobre as quais havia dois homens correndo , um branco e um negro?
- Os 8.763 tijolos, respondeu Ahikar, são as horas do ano, os doze cedros são os meses, as trinta rodas, os dias do mês, e o corredor branco é o dia e o negro é a noite.
- Trança-me duas cordas de pó de 50 côvados de comprimento e um dedo de espessura - disse o faraó. E Ahikar respondeu:
- Ordena que me tragam de teu tesouro uma corda deste tipo para que eu possa ve-la e fazer outra igual.
Mas o faraó não aceitou aquela resposta. Ahikar retirou-se e passou a noite acordado, meditando. Por fim, teve uma ideia. Na manhã seguinte fez vários furos, não muito separados, na parede exterior do palácio. Quando o sol bateu ali os raios penetraram pelos orifícios no aposento escuro, e as partículas de pó pareciam bailar ao sol.
- Que teus operários teçam agora esses fios de pó e terás a corda - disse Ahikar ao faraó.
Mas o rei do Egito havia preparado outras provas. Mandou trazer uma mó de moinho que estava quebrada e ordenou a Ahikar que a costurasse. O assírio, sem titubear, apanhou o pilão do moinho, colocou-o diante do rei e disse-lhe:
- Senhor, eu não trouxe comigo o necessário. Ordena aos teus servidores que me fabriquem um fio com isto, que é da mesma matéria, e eu costurarei a mó.
Ouvindo-o, o faraó desatou a rir e abençoou o dia em que Ahikar nascera. Encheu-o de presentes, entregou-lhe o tributo de três anos e os novecentos talentos que, segundo tinham jurado os seus cortesãos, o Egito devia a Nínive, e prometeu instaurar uma festa anual em todo o seu reino, em honra a Ahikar, o escriba assírio.
Quando este retornou a Nínive, Sarhedom em pessoa foi ao encontro dele, abraçou-o e jurou entregar-lhe tudo quanto lhe pedisse: seu reino inteiro, se assim o desejasse. Mas Ahikar só desejava castigar Nadan. O rei mandou que lho entregassem, e o velho escriba começou a dar-lhe uma surra, enquanto dizia:
-Meu filho, vieste confirmar o provérbio que diz:"Apanha o filho de tua irmã debaixo do braço e bate com ele contra uma pedra". Meu filho, foste para mim como aquele que, vendo um homem tiritar de frio, apanha um vaso de água e atira-lhe em cima. Dei-te tudo quanto era bom, e tu me negaste o pão. Untei-te com óleos perfumados e tu me lambuzaste de lama. Dei-te os vinhos mais velhos, e tu nãome deste sequer água para beber. Meu filho, eu fiz de ti uma torre alta e dizia comigo: "Se o inimigo vier contra mim, nela me refugiarei". Porém, quando o inimigo veio, tu te curvaste diante dele. Meu filho, tu me fazes lembrar a árvore que diz aos lenhadores que a estão talhando: "Se não tivésseis em vossas mãos um pedaço do meu corpo, isto é, o cabo de vosso machado, não poderieis derrubar-me". Oxalá pudesses ter sabido ocupar meu posto depois de me matar, mas ainda que a cauda de um porco crescesse sete côvados, ele nunca poderia converter-se em um cavalo, e ainda que seu pelo se fizesse suave e lanoso, nunca serviria para o trajo de um fidalgo.
Assim ia Ahikar admoestando seu filho. Um provérbio assírio diz que ao surdo se obriga a ouvir pelas costas. Nadan invocou sua misericórdia, prometeu seguir seus conselhos, cuidar do gado e honrar seus servidores.
- Meu filho, respondeu Ahikar, tu me fazes lembrar a palmeira do caminho; quando seu dono quis arrancá-la porque não dava frutos, prometeu-lhe ela que se a deixasse viver produziria como a açafroa(10) e seu dono respondeu: "Como produzirás outro fruto se não foste capaz de produzir os que te são próprios?"
Entretanto, Ahikar cessou de surrar o filho e deixou seu julgamento nas mãos de Deus. A lenda conta que Nadan foi inchando como um odre e morreu cedo, enquanto Ahikar, durante muitos anos ainda, desempenhou as funções de escriba do rei.
____________________________________________
Notas:
(1)Daniel era profeta de Israel, de sangue real e Tobias é nome de mais de um hebreu, citado nas Escrituras. A referência deve ser a Tobias, filho de Tobiel, que foi levado para Nínive.
(2)Doutor, que escrevia e interpretava as leis.
(3)Deus
(4)narrativa que busca ilustrar lições de sabedoria ou ética, através do uso de personalidades de índole diversa, imaginárias ou reais, com personagens inanimados. Servem como exemplos os clássicos apólogos de Esopo e de La Fontaine.
(5)Nome dado pelos hebreus ao último mês do verão, décimo primeiro mês do calendário civil.
(6) Medida de comprimento que foi usada por diversas civilizações antigas
(7) Um dos deuses assírio-babilônio. Também chamado de Baal.
(8)Tipo de moeda usada na Assíria, Grécia e Roma, variando de valor conforme o local.
(9) Medida de distância dos persas, equivalente a cinco km, 520m.
Planta originária do oriente, cujas flores produzem matéria corante, não tóxica, que serve para dar colorido a massas, doces e mesmo para tinturas.