domingo, 14 de outubro de 2012

Um pouco de Rainer Maria Rilke


 

A SOLIDÃO (1)



A solidão é como a chuva.


Sobe do mar nas tardes em declínio;
das planícies perdidas na saudade
ela se eleva ao céu que é seu domínio,
para cair do céu sobre a cidade.

Goteja na hora dúbia quando os becos
aneiam longamente pela aurora,
quando os amantes se abandonam tristes
com a desilusão que a carne chora;
quando os homens, seus ódios sufocando, 
num mesmo leito vão deitar-se: é quando
a solidão com os rios vai passando...


HORA SOLENE



Quem nesta hora chora algures no mundo,
sem motivo chora no mundo,
chora por mim.

Quem nesta hora ri algures na noite,
sem motivo ri-se na noite,
ri de mim.

Quem nesta hora anda algures no mundo,
sem motivo anda no mundo,
vem a mim.

Quem nesta hora morre algures no mundo,
sem motivo morre no mundo,
olha para mim.


DANÇARINA ESPANHOLA (2)



Tal como  um fósforo na mão descansa
antes de bruscamente arrebentar
na chama que em redor mil línguas lança
_ dentro do anel de olhos começa a dança 
ardente, num crescendo circular.

E de repente é tudo apenas chama.

No olhar aceso ela o cabelo inflama,
e faz girar com arte a roupa inteira
ao calor dessa esplêndida fogueira
de onde seus braços, chocoalhando anéis,
saltam nus como doidas cascavéis.

Quando escasseia o fogo em torno, então
ela o agarra inteiro e o joga  ao chão
num violento gesto de desdém,
e altiva o fita: furioso e sem
render-se embora, sempre, flamejando.
E ela, com doce riso triunfal,
ergue a fronte num cumprimento: é quando o esmaga entre os pés ágeis, afinal.


Um pouco sobre Rilke:


Rainer Maria Rilke nasceu em Praga, a 4 de dezembro de 1875, filho de Sofia e José Rilke. Seu nome de batismo foi René Maria, devido à crença de sua mãe de que ele vinha ao mundo substituir sua irmãzinha recém falecida; talvez por isso mesmo, sua mãe o tenha mimado tanto, a ponto de criá-lo, até certa idade, como se menina fosse realmente. José Rilke, por seu lado, deu não poucos aborrecimentos ao filho, tentando fazer dele um soldado; ingressou aos onze anos na Academia Militar, de onde saiu ao cabo de seis anos de sofrimento moral, indo, então, a expensas de um tio, completar seus estudos na Universidade de Praga, onde se bacharelou.
Tcheco de nascimento,  na prática era um verdadeiro nômade, indo e vindo constantemente pelas fronteiras europeias. Só mesmo a guerra conseguiu com que parasse  de ir de país a país, se assentando por mais tempo na Alemanha.
Rilke possuía duas pátrias espirituais, a Rússia e a França, conforme ele mesmo dizia:
"A Rússia foi, em certo sentido, a base de minha experiência e receptividade; assim como Paris foi o substrato de minha atividade criadora depois de 1902.

Dos homens de seu tempo que parece, ter exercido influência em sua vida e obra pode-se citar os dinamarqueses Jacobsen e Lierkegard, os russos Tolstoi e Dostoievski, os alemães Heine , Schiller e Hoelderlin e o francês Baudelaire.

Entre nomes que ladearam o de Rilke ao longo de sua vida contam-se os de verdadeiros amigos, como Kippemberg, seu editor, tesoureiro e advogado; sua esposa Catarina, que chegou a escrever uma biografia do poeta; a russa Lou-Andreas Salomé, com quem teve um envolvimento amoroso e cuja presença em sua vida foi muito significativa; o casal Knoop, cuja filha Vera inspirou os "Sonetos a Orfeu"e Clara Westhoff, escultora com quem o poeta se casou.
Rilke morreu na Suíça, vítima uma infecção causada por espinho de rosa, que acelerou o processo de leucemia que já o havia acometido. Era 29 de dezembro de 1926. Está enterrado na Suíça e seu epitáfio foi escrito por ele mesmo:

"Rosa, ó pura contradição: 
alegria de ser o sono de ninbuém
sob tantas pálpebras!"
Um pouco mais sobre o poeta e sua obra, você poderá assistir nos vídeos a seguir, extraídos do Youtube:





Fonte: Livro "Poemas de Rilke"
Coleção Rubayát
Livraria José Olimpyo Editora - 1953
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NOTAS DA MILU:

(1)Rilke era muito propício à meditação criadora, nada avesso à solidão. Em uma carta ao jovem poeta Kappus, ele escreveu:
"O amor mesmo é apenas solidão, as obras de arte são duma solidão infinita, e nós somos essencialmente sós".

(2) Segundo Ruth Rilke, filha do poeta, este poema foi inspirado num bailado espanhol a que Rilke assistiu por ocasião de uma festa de batizado na casa do pintor Inácio Zuloaga.

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